segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A parede é branca, lisa. Mas tem um buraco. Um Buraco!
Foi forçado, violou-lhe o alvo. Rompeu a lisura e desfez o estuque.
Complexo dilema para a parede.
Estava pronta para receber, para nela sustentar as penduras dos dias.
Um buraco!
Onde se cravou um prego de aço. Frio, forte e aguçado. E nesse acto, fecundou.
Ao buraco, no crivo frio, forte e aguçado, uma geração premeditada.
Uma moldura prenha, e nela uma forma de vida adocicada, uma tela.
È um ser de género indiferenciado, nasceu tela, mas assim exposta respira como quadro.
Formou-se na vaga do desejo. Uma ideia, uma imagem, um ardor em sentimento.
Os dedos excitados humedecidos de tinta.
Tocaram-lhe, e no toque se desfez a vaga espraiando o medo cadenciado do descobrimento.
A cor, somente o negro. Cada toque de negro, uma margem antagónica de tempo. Cada dedo, uma ponte suspensa de pensamento.
Textura cómoda. Não vincada. Um desprendimento de solidez. A negro tocado, um olhar sorriso. A pele tela pintada satisfeita no propósito cumprido.
A parede porém, toda branca e lisa sente-se arrematada pelo vulgarizar de leito debochado, ser cenário e palco da devassa carnal de nela estar pendurada uma moldura, prenha de tela. A tela ser quadro, e a lisura violada pelo aço.
È imóvel e não pode sair. Não pode recusar.
Pode perverter. E o sustento das penduras dos dias, sua missão e revolta, pode quebrar. Mutila lentamente, grão a grão o seu corpo. Cria, a cada grão solto, a distância do aço. Rompe o crivo do forçado abraço.
Caia o quadro. Arrasta o prego, e estilhaça a moldura, aterra a tela.
A parede é branca, lisa. Mas já não sozinha. Na paciência da sua integridade. O buraco!

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