terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Uma fita métrica pode ter vários comprimentos. A minha tem oito metros!

Raramento penso muito nela, mas quando calha pensar, dos diversos pontos e atributos que ela tem, embico sempre com o detalhe de ela ter 8 metros, o que me irrita! Irrita-me como uma leve moínha inexplicável no fundo - ou talvez num canto de dificil acesso - da minha cabeça. Cinco, dez... vá! Agora oito? Porquê Oito? Acabo sempre por nunca medir as coisas na totalidade da fita, sobretudo quando são mais que oito metros, pois o cálculo será sempre mais fácil se medirmos por parcelas de cinco, por exemplo, e nunca de oito! Não é?

Esta particularidade depois é compensada por outra que considero genial, a ponta tem dois imans. Fazem um brilharete quando o ponto de partida é algo metálico e faço as medições sozinho. Um homem invisivel segura a ponta Zero e eu vou esticando, auto suficiente, estupidamente feliz pela engenhoca.

Mas a verdade é que também ela é frustrante quando nenhuma das superfícies que vou medir tem a particularidade metálica que faça este meu colega invisivel segurar a marca zero.

Para este caso em particular vejamos, a divisão é bastante mediocre e pouco desafiadora à primeira vista. De quem entra, à direita da porta estende-se uma parede que só a olho digo que deve ter uns bons 4 metros e meio, a arriscar os cinco vinte... vá. Dessa cresce outra parede para iniciar o rectangulo, que esta divisão é, que tem uns insignificantes dois metros e qualquer coisa. Depois segue a regra do rectangulo, a parede que há de desembocar à minha frente que tem os mesmos expectáveis, ou presumíveis, cinco e tal. E para finalizar, a parede à minha esquerda, que recebe os golpes da porta que abri para entrar que tem.... pois!

E aqui começa a chatice!

Esta só de olhar de esguelha me diz logo que é maior uns bons metro e 10 que a sua irmã da frente. A divisão não é um rectangulo perfeito. Não é!

Saco do papel, pois então, e desenho, tem de ser! É fatal a necesssidade de complicar destas divisões antigas.

E como por magia, é pela ponta do novelo que se verifica as dificuldades que se avizinham. Já de fita na mão, eu, nervoso pistoleiro do centímetro e da medição contraio os meus músculos na advertência de um chão antigo de madeira afagada, todo ele desnivelado e contrário a uma boa medição baseada pela segurança do chão. Não apoiaria nunca eficazmente a fita para executar uma medição exacta num chão daqueles.

As paredes, estão brancas, pintadas em jeito de renovação, não fosse o buraco na parede à minha direita, causado por alguma falta de jeito amadora. Um futuro ou antigo morador concerteza. E nem sequer me alongarei pela janela que irradia uma luz maravilhosa da tarde de maio e explode em jeito de calor natural. Dela, e pelo ponto de vista de quem se encosta complacente à ombreira da porta, só se avista os telhados da cidade e o azul do céu.

Da maneira como tudo se coloca, com a janela aberta, parece que o misto de calor com uma ponta de aragem fresca ainda deste mês. Juro que parece que por vezes os elementos têm cheiro.

Encostado à ombreira da porta, vi que que a divisão daria bem um quarto. Não! Uma sala! Bom, sim, talvez o quarto da minha pequena. Um quadro ali, a foto da avó, o computador novo ali no canto...

" foda-se luís, já mediste essa merda? Cabem os móveis dos clientes aí ou não cabem ao final? "

Cabe, cabe, não é preciso medir nada, cabe à vontade! - solto um suspiro, mas enchi o peito ao dá-lo. Estou em crer que há coisas neste mundo, e momento soltos de dimensões paralelas inexplicáveis que nos tiram pesos e anos de cima.

"olha...tanta merda com a fita nova e depois vai olho.... que gajo este!.... vens ta rir do quê pah???"

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A parede é branca, lisa. Mas tem um buraco. Um Buraco!
Foi forçado, violou-lhe o alvo. Rompeu a lisura e desfez o estuque.
Complexo dilema para a parede.
Estava pronta para receber, para nela sustentar as penduras dos dias.
Um buraco!
Onde se cravou um prego de aço. Frio, forte e aguçado. E nesse acto, fecundou.
Ao buraco, no crivo frio, forte e aguçado, uma geração premeditada.
Uma moldura prenha, e nela uma forma de vida adocicada, uma tela.
È um ser de género indiferenciado, nasceu tela, mas assim exposta respira como quadro.
Formou-se na vaga do desejo. Uma ideia, uma imagem, um ardor em sentimento.
Os dedos excitados humedecidos de tinta.
Tocaram-lhe, e no toque se desfez a vaga espraiando o medo cadenciado do descobrimento.
A cor, somente o negro. Cada toque de negro, uma margem antagónica de tempo. Cada dedo, uma ponte suspensa de pensamento.
Textura cómoda. Não vincada. Um desprendimento de solidez. A negro tocado, um olhar sorriso. A pele tela pintada satisfeita no propósito cumprido.
A parede porém, toda branca e lisa sente-se arrematada pelo vulgarizar de leito debochado, ser cenário e palco da devassa carnal de nela estar pendurada uma moldura, prenha de tela. A tela ser quadro, e a lisura violada pelo aço.
È imóvel e não pode sair. Não pode recusar.
Pode perverter. E o sustento das penduras dos dias, sua missão e revolta, pode quebrar. Mutila lentamente, grão a grão o seu corpo. Cria, a cada grão solto, a distância do aço. Rompe o crivo do forçado abraço.
Caia o quadro. Arrasta o prego, e estilhaça a moldura, aterra a tela.
A parede é branca, lisa. Mas já não sozinha. Na paciência da sua integridade. O buraco!

domingo, 18 de janeiro de 2009

Tenho uma verdade sentada à minha frente, mas que mais parece um gato do que aquilo que realmente ela é!

Curiosa, irrequieta e teimosa, suspira impaciente vincando o assento com o redemoinho da fuga que lhe ocupa toda a cabeça.
Abriu um V no peito da perna, e sorriu para mim. Não fez sangue, não mostrou carne. Fez apenas o gesto com o dedo.
Mas de olhos fincados nos meus, foi como se sacrificasse a integridade santa do seu vaso de carne em nome de uma vontade de saltar da cadeira e correr para mim.
Vê-se claramente que me quer. Deve imaginar esse momento há mais tempo que os tempos que se possam quantificar ou imaginar por alguem.

Articula a boca em forma de segredo, imaginando-se perto do meu ouvido, a humedecer a minha pele com a verdade. Imagina que lhe leio os lábios, ou imagino eu que assim ela o pretende. É estonteante e intoxicante tudo o que representa, mas persiste sentada. Precisa que a chame, que a queira também. Que a deseje!

Levanto-me, provoquei uma reacção, ela espera.

Caminho sobre as tábuas de madeira antiga, envernizadas, daquele quarto vazio de paredes brancas e tecto alto. Faço-o lento e sigo-a pelo canto dos olhos, a fingir abstração, a calcular - a fingir que calculo - os passos seguintes. Parece tudo falso e a verdade segue-me, sabendo. Sei que sabe!

Abro uma janela para sentir o "fora"! Com o tornear do trinco desajeitado e velho da janela, crio primeiro um eco, depois um silêncio e mesmo antes de abrir de par em par
as duas vidraças, deixo-me distrair e toda a minha pele me avisa que ela se levantou. Um medo esquisito electriza a minha nuca. Uma noção de perigo que não defino nem imagino em acções possiveis contra mim. Primeiro um eco, depois o silêncio e depois uma vaga gigantesca de ar e som de buzinas de automóveis e carros electricos e pessoas bate na minha cara e no meu corpo. Passa por mim, invade e viola toda a sala virgem que se encostava a mim, sobre as costas.

Respirei fundo e ganhei coragem. Senti os meus braços a impelirem contra a gravidade, para assumir protecção e virei-me, preparado como um animal encurralado.

Estava lá ao fundo, junto à porta, imóvel com a mão sobre a maçaneta, com os olhos fincados no chão e cabelo corrido a gravitar. "vais te embora?" - abanou a cabeça negativamente como faz uma criança desiludida; desanimada. "Queres que feche a janela?" encolheu os ombros como se não lhe importasse com nada destas perguntas.

Avisei que ia fumar, como se isso me resolvesse fosse o que fosse ou que me ganhasse tempo não sei para o quê. Acendi um cigarro amarrotado de um maço de ventil.
Só dois restam. Lá em baixo lembro me que existe uma papelaria que vende tabaco, engendro na minha cabeça a minha figura a passar por ela, a murmurar algo que a
fizesse estar ali quando regressasse, a descer o primeiro lance de forma segura. Não ouviria a porta a fechar, apressaria o meu passo e ansioso percorreria feito tonto todo o percurso até à tabacaria. Do bolso, uns trocos parvos que não se ajeitam nas mãos, comprariam à pressa um novo ventil, depois de uma fila estupida de duas ou 3 pessoas, mas sempre a vigiar a porta da entrada do meu prédio, ansioso por que ela não fuja, me escape, que a perca. Chegaria ofegante à porta, estaria encostada ainda, ainda bem, pois não tinha a chave e ela poderia muito bem trancar-se e não me deixar entrar - Isto se ela ainda lá estivesse - e abriria a porta cansado e sem vontade genuina de fumar.

Feito parvo nesta minha história infantil, ela ainda lá estava imóvel. A minha imaginação deve ter vagueado por míseros segundos pois ainda ouvi a minha voz a terminar de
dizer que "ia fumar". Mas curiosos são os impulsos da mente, pois que de seguida apalpei o bolso das calças para ver se tinha as chaves e comentei a meia voz, como um tolo, que só tinha dois cigarros. Como se ela se importasse, como se lhe pedisse permissão para executar a minha privada cinematografica e virtual aventura de ir comprar tabaco.

Recebi silêncio, merecido. e não fui!